Fico a conjecturar, se houvesse um retrocesso na história e Jesus voltasse novamente, não entre nuvens do céu na parousia em poder e glória, mas, novamente como o singelo profeta da Galiléia, e visitasse as zilhões de igrejas espalhadas pelo planeta que se intitulam cristãs, se Ele seria simpatizante de algumas das denominações instituídas do nosso tempo. Com certeza os “conheço as tuas obras” e os “tenho, porém, contra ti” sobre esses agrupamentos ditos evangélicos, atingiriam dimensões colossais.
Ora, Jesus, uma vez entre nós outra vez, certamente usaria da mesma sabedoria que usou quando andava pela Terra, nas ruas da Palestina, não aderindo a nenhum dos postulados dessas denominações, das propostas das grandes corporações da fé e dos super conglomerados da religião, das igrejas-empresa que superestimam números, estatísticas e resultados de crescimento numérico, não se encaixando em nenhuma bitola teológica sistemática ou dogmática, não se deixando caber em nenhuma fôrma doutrinária.
Essa recusa de ser domesticado pelos chicotes dos domadores do circo da religião atual é a mesma reação com que Ele se negou intermitentemente em tomar partido por qualquer das facções religiosas, políticas e humanitárias de Sua época: Os fariseus, com sua sobrecarga de regras e manias de assepsia exagerada, se vendo como santos de pau oco; os saduceus, sacerdotes profissionais do templo, incrédulos mundanizados que não criam na vida sobrenatural e futura; os essênios, escapistas, fugindo do mundo e se refugiando em mosteiros no deserto, achando que eram os exclusivos filhos da luz, que todas as pessoas do mundo estavam nas trevas, e iam torrar no fogo do inferno; os pragmáticos zelotes, xiitas radicais que esperavam derrubar o Império Romano se utilizando da violência das armas; os herodianos, entreguistas, colaboracionistas, puxa-sacos da família de Herodes, rei fantoche marionetado pelo governo romano.
Com certeza Jesus, se voltasse ao nosso tempo e adentrasse pelas naves das igrejas evangélicas da atualidade, não se deixaria seduzir pela pompa de seus cultos, pelo aparato ofuscante da maioria de suas liturgias, com Cristo exposto no nome, nos hinos e nas pregações, mas sem Cristo na devoção do coração, e não se alumbraria com suas proposições arrogantes, suas insolências fundamentalistas, seus testemunhos mirabolantes, suas pseudo-curas dissimuladas, por seus eternos cabos de guerra doutrinários puxados pelos defensores ferrenhos do calvinismo e do arminianismo, suas ênfases maniqueístas dicotômicas e esquizofrênicas, sua doutrina triunfalista com promessas de céu na terra, seus argumentos furados de prosperidade a qualquer preço, cujo slongan ortoprático é: “Os fins não justificam os meios. Tudo por mim mesmo e pela causa da minha conta bancária”.
E mais, Jesus detectaria de cara, traços inconfundíveis dos partidos religiosos de seu tempo camuflados na igreja da atualidade como os novos fariseus, com suas igrejas repletas de líderes de mente reduzida e exclusivista, com suas reações preconceituosas contra quem é e pensa diferente; os novos saduceus hedonistas que querem sentir prazer sensual em seus cultos preparados para entreter e acariciar seus egos mimados; os novos zelotes, que condenam e violentamente matam sumariamente os que não pensam como eles; os novos herodianos que vivenciam um cristianismo camaleônico, mimético e diluído entre o amor obsessivo ao dinheiro e o compromisso com as causas reais do Reino de Deus.
Jesus se voltasse hoje, teria que chamar novamente novos seguidores retirados das ruas, homens simples, alijados pela igreja e pela sociedade, e agregaria gente sincera e inconformada de dentro das igrejas instituídas e fundaria uma nova igreja, à semelhança do que aconteceu a dois mil e poucos anos atrás.
Essa igreja, a nova comunidade que encarna Cristo, a nova sociedade alternativa composta de discípulos que desacreditam no cristianismo falido dos nossos tempos com toda a sua sobrecarga de patologia e esquizofrenia aguda, mas que, apesar dos pesares, ainda amam e insistem em seguir a Jesus.
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